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Os Óscares já foram há uma semana e eu ainda recebo mensagens e suspiros com o “discurso de Joaquín Phoenix”. Por um lado surpreende-me, porque me pareceu um discurso banal. Quer dizer, foi um bom discurso, na verdade impecável, mas também não trouxe nada de novo: apenas acrescentou o que faltava aos esforços da Academia para, vexadas todas as minorias nas nomeações, compensar na cerimónia com o mais completo mosaico de correcção política de que me lembro.
Entretanto, muitas das fotos que acompanham as mensagens nem são de Joaquín Phoenix, actor extraordinário e irascível, a discursar: são do tipo a comer uma sandes com Rooney Mara, num ar de cumplicidade e fim de festa. Lembrei-me de outra foto ainda: Joaquín fazendo a corte desta vez a Phoebe Waller-Bridge, a não menos encantadora rapariga de Fleabag, noutra cerimónia recente. E depois lembrei-me também de que, tirando Phoenix, o protagonista dos Óscares sobre que recebi mais mensagens foi o já vetusto Brad Pitt, a que nem as rugas de alcoólico nem as acusações de violência doméstica desqualificaram nos afectos das mulheres de todas as idades – em Portugal como no mundo.
Ah, o cafajeste… O cafajeste é uma instituição.
Porque é que tantas mulheres heterossexuais, pretendendo os seus maridos recatados e responsáveis, têm uma tão indisfarçada predilecção pelo cafajeste e respectivas conquistas amorosas? Porque é que – por exemplo, num grupo de amigos – contabilizam as conquistas do solteirão oficial, as estimulam, às vezes até as propiciam: porque o vêem a ele como uma hipótese do que poderiam ter sido as suas vidas ou a elas (às conquistas) como provas de que as restantes mulheres não tiveram tanta sorte (nem tanta sabedoria) como elas, continuando a deixar-se desgraçar por aquele malandro adorável?
Porque é adorável, o cafajeste. Caramba, quem é que não gosta do cafajeste?
O cafajeste é distraído e é giro. O cafajeste é preguiçoso, mas pode. O cafajeste é egoísta, mas nem sequer parece. O cafajeste atrasa-se sempre, e nem podia ser de outra maneira. O cafajeste traz o vinho, e valeu a pena esperar.
O cafajeste sobreviveu a todas as modas e personalizou todas as tendências. O cafajeste é desatento e cómico. O cafajeste é tão sacana que é engraçado. O cafajeste é espectacular. O cafajeste tem bom coração e não sabe.
O cafajeste é tão sensível – faz-me um filho, cafajeste!
Não sei: há alguma coisa naquele homem. Talvez represente um justiceiro. Séculos de recalcamento parecem ter deixado em muitas mulheres a impressão de que as presas dele mais não são do que vítimas da sua própria ousadia, não só uma afronta para as mulheres sérias mas uma espécie de insubmissão cósmica – é bom vê-las cair.
Já se sabe: muitas vezes são as próprias mãezinhas a fabricar os novos machistas – laboriosa e diligentemente. Mas o facto é que até nós, os outros, gostávamos de ser o cafajeste.
Como Brad Pitt. Como Joaquín Phoenix. Como quase todos os machões mais machos e sensuais do cinema.
De resto, confirmei-o depois de muitos anos sem assistir à festa do Kodak Theatre: já não se consegue ver vinte minutos daquilo. As vitórias fabricadas pelos publicistas, as piadolas fracotas mal lidas no teleponto, os discursos a armar ao emocionado, as canções tipo Eurovisão 1990, as fatiotas em geral, a simples expressão “passadeira vermelha” – não há nada ali que não cheire a bafio e a negócio.
A cultura popular também mudou de paradeiro por falta de comparência dos paradeiros tradicionais, não apenas porque a juventude encontra maior liberdade na fragmentação das novas plataformas. Aquela malta aborreceu-se de si mesma, tinha de aborrecer-nos também a nós.
Mas o cafajeste, esse, ainda vende bastante bem.