APESAR DA PANDEMIA
… a natureza segue o seu curso, indiferente em lugares como este em que vivo e até exultante em lugares até há poucos meses sob o manto de poluição com que a industrialização desvairada sufocou tantas grandes cidades.
… a natureza segue o seu curso, indiferente em lugares como este em que vivo e até exultante em lugares até há poucos meses sob o manto de poluição com que a industrialização desvairada sufocou tantas grandes cidades.
Ontem estive a tratar do meu jardim, como sempre aos domingos. Mesmo em dias de chuva, como foi o caso – felizmente daquelas com vento norte, portanto às malhas, como se diz aqui na Terceira –, nem me apetece dormir aos domingos: desperto, levanto-me de um salto, agasalho-me com roupa de combate, tomo um pequeno-almoço reforçado e saio para o jardim.
Está cada vez maior, este espaço. Entre as varandas, o jardim, o pomar e o prolongamento de ambos encosta acima, devo ter agora talvez um alqueire tratado a pente fino. O Chico vem cá uma vez por semana (e continua a vir, respeitando todas as instruções de segurança da DGS), mas já não chega para tudo. A cada domingo, tenho tanto que fazer que só volto quando o sol se põe, cheio de fome e de sede.
Como a hora mudou, ontem só voltei depois das 20h00 – derreado.
As iresines que plantei lá em cima, aos pés do banco altaneiro de onde passei a dizer que poderei assistir ao fim do mundo (mas não ainda, não será desta que o mundo acaba), passam por dificuldades. O solo está tão mal estruturado, depois de demasiados anos sufocado por pragas diversas, que a própria água tem dificuldade em infiltrar-se. Ainda por cima as covetas de retenção que refaço a cada passagem estão tapadas no dia seguinte, por via da erosão natural da terra em declive.
Mas as azáleas que plantei há duas semanas pegaram bem. As gazâneas estão a pegar. O tapete inglês luta pela sobrevivência, mas pega sempre. As mimosas, os gerânios, as beladonas, os aloés – tudo isso que multipliquei nos últimos meses, e com que comecei agora a ajardinar o último recanto conquistado ao baldio, começa a ficar até viçoso.
Fiquei tão contente por vê-lo confirmado que me apressei a fazer estacas de outras espécies ainda: begónias de vários tipos, roseiras-dos-beirais, trepadeiras diversas. Muito do que passei o Inverno a enraizar ou germinar não pegou, mas entretanto mandei vir um gel especial e estou mais confiante. Vou, pelo menos, tentar de novo.
Entretanto, transplantei os hibiscos cor-de-rosa – eu chamo-lhes origami, é o que parecem as suas flores, grandes origamis – para vasos maiores, de modo a permitir-lhes crescer antes de os expor aos elementos; reguei todos os viveiros de hortícolas (tomates, alfaces, nabos, algumas flores pelo meio porque nunca resisto) que tenho à espera da consolidação da Primavera; e, finalmente, plantei as novas árvores.
Guardo sempre o mais difícil para o fim, e neste caso era evidente que se tratava do mais difícil: primeiro era preciso arrancar quatro pessegueiros ainda jovens que não resistiram ao Inverno e a um tratamento com que, mal aconselhado, lhes dei o golpe de misericórdia. Passei duas horas só a arrancar os pessegueiros. Mas, quando finalmente dei a tarefa por concluída, foi um gosto ver as novas árvores na terra, erectas e já com as suas estacas de protecção.
Ao todo, plantei duas macieiras fuji, uma laranjeira valência e uma clementineira. De caminho, substituí um abacateiro seco por um rebento de nespereira que fui buscar ao quintal do vizinho Eduíno, ocupei o espaço deixado por uma faia-da-terra morta com um ficus que trouxemos há oito anos de Lisboa (e que até aqui vivia dentro de casa) e ainda plantei a buganvília amarela que, enfim – enfim! –, a Teresa me arranjou.
Tentei pegar mais de 50 estacas de buganvília amarela, este Inverno. Com e sem gel, com e sem fertilizante, com terra boa e terra má, com talos grossos e finos, em exposição solar e à sombra – nunca funcionou. Tive mesmo de comprar uma, assumo a derrota. Mas esta manhã fui lá ver o exemplar comprado, plantado já grandinho, e ele como que me cumprimentava – vamos dar-nos bem.
Foi um domingo bom. Só tive pena de não poder pôr os cães a brincar. Estava a chover, o pomar ficara encharcado com as regas das novas árvores e, além disso, a extracção dos pessegueiros secos espalhara pela relva alguns grãos de adubo mineral, que eles haveriam de catar um a um até se intoxicarem.
Hoje, ao fim da tarde, poderão brincar. Já mo pediram umas dez vezes desde que acordei, às suas maneiras tontas, algo resignadas e infinitamente ternurentas. Merecem pelo menos meia hora suplementar de brincadeira.
TAMBÉM ME CUSTA
… não poder sentar-me a conversar com os meus pais. Vivem aqui, a dois passos. Este sábado fiz-lhes eu as compras. Deixei-lhas à porta, toquei à campainha com o cotovelo e, quando a minha mãe veio buscá-las, fiquei do outro lado da rua, a falar um pouco com ela. Estão muito assustados, porque têm ambos 70 anos (a minha mãe faz 70 em Setembro e o meu pai 73 em Agosto), são ambos doentes cardíacos e, ademais, o meu pai tem diabetes. Têm tido tanto cuidado que nem um passeio de carro dão e até ao quintal vão a medo. Mas não vou ser eu a aliviar os seus cuidados: nesta fase, mais vale pecar por excesso do que por defeito. E, por enquanto, aquela casa é um castelinho: estão seguros e ainda não estão deprimidos.
… não poder sentar-me a conversar com os meus pais. Vivem aqui, a dois passos. Este sábado fiz-lhes eu as compras. Deixei-lhas à porta, toquei à campainha com o cotovelo e, quando a minha mãe veio buscá-las, fiquei do outro lado da rua, a falar um pouco com ela. Estão muito assustados, porque têm ambos 70 anos (a minha mãe faz 70 em Setembro e o meu pai 73 em Agosto), são ambos doentes cardíacos e, ademais, o meu pai tem diabetes. Têm tido tanto cuidado que nem um passeio de carro dão e até ao quintal vão a medo. Mas não vou ser eu a aliviar os seus cuidados: nesta fase, mais vale pecar por excesso do que por defeito. E, por enquanto, aquela casa é um castelinho: estão seguros e ainda não estão deprimidos.
UMA SUGESTÃO
… de quem já trabalha em casa há muitos anos: não passem o dia de pijama. Mesmo aos fins-de-semana. Levantem-se, façam a vossa higiene, aparem a barba, passem um creme hidratante no rosto, vistam-se bem, calcem-se. Não há nada mais deprimente do que passar um dia de pijama, e isso – queiramos ou não – contamina-nos. Mesmo os que ainda possam sentir que isto são umas férias (e serão cada vez menos): cuidem-se, apresentem-se como se fossem sair. Muda tudo, para vós e para os à vossa volta. No caso dos que estão em teletrabalho, nem se fala: trabalhar de pijama, ou de fato de treino, ou mesmo apenas de chinelos, nunca vos renderá serviço em condições.
… de quem já trabalha em casa há muitos anos: não passem o dia de pijama. Mesmo aos fins-de-semana. Levantem-se, façam a vossa higiene, aparem a barba, passem um creme hidratante no rosto, vistam-se bem, calcem-se. Não há nada mais deprimente do que passar um dia de pijama, e isso – queiramos ou não – contamina-nos. Mesmo os que ainda possam sentir que isto são umas férias (e serão cada vez menos): cuidem-se, apresentem-se como se fossem sair. Muda tudo, para vós e para os à vossa volta. No caso dos que estão em teletrabalho, nem se fala: trabalhar de pijama, ou de fato de treino, ou mesmo apenas de chinelos, nunca vos renderá serviço em condições.
UMA PERPLEXIDADE
O que aconteceu no aeroporto de Lisboa, onde três inspectores do SEF terão morto um cidadão ucraniano à pancada, é indizível. Mesmo que o homem se tenha portado excepcionalmente mal e, claro, apesar de vivermos um momento tão angustiante e tenso como este, com inevitáveis reflexos na psique dos operacionais das forças de segurança (que também são homens). É indizível, é repulsivo e torna claros os riscos de recrudescimento do crime em Portugal. Vamos no início da crise sanitária e a seguir a isto ainda teremos de lidar com a crise económica (já em curso, aliás). Haverá fome. Já há fome. E, antes de irmos comprar armas de fogo ou catanas para deixar debaixo da cama, precisamos de confiar ao menos nas forças de segurança.
UMA RAZÃO PARA CELEBRAR
… é o facto de ter caído a máscara ao populismo. Claro: se Trump perder as eleições de Novembro em resultado a maneira desastrosa como lidou com esta epidemia, e nomeadamente nos primeiros dois meses após o primeiro caso de covid-19 detectado nos EUA, será pelas piores razões. O mesmo a dizer, aliás, da reacção tardia de Boris Johnson e da – como chamar-lhe? – prova de sociopatia de Bolsonaro: todas elas já custaram vidas e vão continuar a custar vidas durante muito tempo, mas a punição política imediata e radical dos seus protagonistas seria necessariamente consequência da perda de mais vidas ainda. Para já, vale a pena registar como, no meio da tragédia, ficou claro que esta gente só pensa em economia e que, posta perante novos desafios, nem com a economia sabe lidar.
… é o facto de ter caído a máscara ao populismo. Claro: se Trump perder as eleições de Novembro em resultado a maneira desastrosa como lidou com esta epidemia, e nomeadamente nos primeiros dois meses após o primeiro caso de covid-19 detectado nos EUA, será pelas piores razões. O mesmo a dizer, aliás, da reacção tardia de Boris Johnson e da – como chamar-lhe? – prova de sociopatia de Bolsonaro: todas elas já custaram vidas e vão continuar a custar vidas durante muito tempo, mas a punição política imediata e radical dos seus protagonistas seria necessariamente consequência da perda de mais vidas ainda. Para já, vale a pena registar como, no meio da tragédia, ficou claro que esta gente só pensa em economia e que, posta perante novos desafios, nem com a economia sabe lidar.
UMA PREOCUPAÇÃO
A ideia de um governo de salvação nacional em Portugal é um absurdo. Com os grandes partidos juntos no poder, o contraditório seria deixado todo a cargo dos extremismos, e André Ventura haveria de cavalgar essa onda como ninguém. António Costa vai na segunda legislatura com um governo minoritário e não terá dificuldade em reunir os acordos parlamentares que assegurem a gestão do país, ademais enquanto Rui Rio se mantiver à frente do PSD. E, se há receio de que Costa não consiga segurar-se, face ao inevitável desgaste desta crise, então continua a ser preferível arriscar entregar o mesmo desafio a Rio, com cujo sentido de estado já sabemos poder contar. Tudo o mais é um perigo.
A ideia de um governo de salvação nacional em Portugal é um absurdo. Com os grandes partidos juntos no poder, o contraditório seria deixado todo a cargo dos extremismos, e André Ventura haveria de cavalgar essa onda como ninguém. António Costa vai na segunda legislatura com um governo minoritário e não terá dificuldade em reunir os acordos parlamentares que assegurem a gestão do país, ademais enquanto Rui Rio se mantiver à frente do PSD. E, se há receio de que Costa não consiga segurar-se, face ao inevitável desgaste desta crise, então continua a ser preferível arriscar entregar o mesmo desafio a Rio, com cujo sentido de estado já sabemos poder contar. Tudo o mais é um perigo.
FEIOS, PORCOS E MAUS:
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